Aplicabilidade do piso salarial dos profissionais de Enfermagem

07/Ago/2023

Por Joana Rocha e Rocha


Nota Técnica nº 37/2023

REQUERENTE: Conselho de Secretários Municipais de
Saúde do Estado de São Paulo (Cosemssp).

Assunto: Aplicabilidade do piso salarial dos profissionais de
Enfermagem

Contexto
O Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo –
COSEMS-SP, consulta o Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa, a
respeito de questionamentos de secretários municipais de saúde quanto à
aplicabilidade de alguns aspectos relacionados ao piso salarial dos profissionais
de Enfermagem.

A Lei Federal Nº 14.434/22 instituiu o piso salarial nacional do
Enfermeiro, do Técnico em Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da
Parteira. O piso salarial em questão, por tratar-se de lei nacional, estabelece
valores únicos a serem aplicados a cada modalidade dos mencionados
profissionais em todo o país, no setor público e privado, não tendo feito
distinção de valores entre os Estados, nem tampouco considerou as dinâmicas
municipais num país federativo e com grandes desigualdades socioeconômicas e
geográficas.

A Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos Serviços
(CNSaúde) propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222 em face da
citada lei para que o STF declarasse "a inconstitucionalidade dos dispositivos
ora impugnados por todas as violações à Carta da República citadas ao longo da
exordial e pela patente irrazoabilidade da Lei 14.434/2022 (comprovada, por
igual, pelas danosas consequências práticas da medida para toda a
coletividade)".

Em setembro de 2022, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do
processo, do Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão acatando pedido
cautelar de suspensão da Lei do Piso da Enfermagem, referendado pelo pleno,
que culminou na suspensão dos “efeitos da Lei nº 14.434/2022, até que sejam
esclarecidos os seus impactos sobre: (i) a situação financeira de Estados e
Municípios, em razão dos riscos para a sua solvabilidade. Intimem-se, para tal
fim, o Ministério da Economia; os vinte e seis Estados-membros e o Distrito
Federal; e a Confederação Nacional de Municípios (CNM); (ii) a
empregabilidade, tendo em vista as alegações plausíveis de demissões em
massa.”

Em dezembro de 2022, o Congresso Nacional aprovou a fonte de custeio
para implementação da Lei do Piso no setor público, por meio da Emenda
Constitucional 127/2022, que estabeleceu o dever da União prestar assistência
financeira aos entes federativos para o cumprimento dos pisos salariais.

Também em dezembro de 2022, foi editada a Lei Complementar Nº
197/2022, para conceder prazo para que os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios executem atos de transposição e de transferência e atos de
transposição e de reprogramação, respectivamente, referentes à priorização da
destinação dos saldos dos Fundos Públicos (contas abertas até 2018) às
Entidades Privadas sem fins Lucrativas.

Em 11 maio de 2023, foi editada a Lei Federal nº 14.581/2023, para
abertura do crédito especial ao Orçamento da União, no valor de R$7,3 bilhões,
com o escopo de atender essa programação específica do Programa de
Assistência Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da Enfermagem
- Nacional.

Em 12 de maio de 2023, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS
Nº 597/2023 para estabelecer os critérios e parâmetros relacionados à
transferência de recursos para a assistência financeira complementar da União
destinada ao cumprimento dos pisos salariais nacionais de enfermeiros,
técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras no exercício de 2023.

Em 15 de maio de 2023, o ministro Luís Roberto Barroso, restabeleceu os
efeitos da lei piso salarial nacional da enfermagem com ressalvas de que os
valores deveriam ser pagos por estados, municípios e autarquias somente nos
limites dos recursos repassados pela União. Já no caso dos profissionais da
iniciativa privada, a decisão estabeleceu a possibilidade de negociação coletiva,
vedada pela redação original da Lei.

Em 16 de junho de 2023, o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 7222 foi iniciado em sessão virtual, tendo por meio
de um voto conjunto, os ministros Luís Roberto Barroso, relator do processo, e
Gilmar Mendes se manifestado pela confirmação da decisão de maio de 2023
que restabeleceu o piso salarial nacional de profissionais de enfermagem
previsto na Lei 14.434/2022 e fixado diretrizes para a sua implementação.

Os ministros decidiram que a União deverá criar crédito suplementar em
caso de insuficiência de recursos federais para o pagamento dos recursos de
complementação do piso no setor público. No setor privado, Barroso e Mendes
propuseram um prazo de 60 dias para que empresas e sindicatos façam
negociações coletivas para flexibilizar o valor do piso.

O ministro Edson Fachin apresentou voto divergente do voto conjunto no
sentido de revogar a liminar e implementar o piso na forma prevista na Lei
14.434 /2022, na Emenda Constitucional (EC) 127/2022 e na Lei 14.581/2023.
O ministro entendeu que não deve haver distinção entre funcionários públicos e
privados e, por isso, o piso nacional salarial da enfermagem deve ser aplicado de
forma imediata e integral a todos. O ministro Dias Toffoli pediu vistas.

Em 22 de junho de 2023, o Ministério da Saúde disponibilizou ferramenta
desenvolvida pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), integrada ao sistema
InvestSUS Gestão, para gestores estaduais e municipais atualizarem dados dos
profissionais de enfermagem da rede própria e conveniada com o objetivo de
definir o rateio da contribuição federal para o pagamento do piso da categoria
de enfermagem.

Em 23 de junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o
julgamento virtual da ação sobre a validade do pagamento do piso salarial
nacional para os profissionais de enfermagem após dois pedidos de vista diante
de divergências apresentadas pelos ministros em relação à operacionalização do
pagamento.

Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes apresentaram divergência
em relação ao pagamento para profissionais celetistas. O ministro Edson Fachin
determinou o pagamento de todos os contratos públicos e privados de trabalho.

Em 26 de junho de 2023, a presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministra Rosa Weber, votou para que o piso da enfermagem seja pago
imediatamente, nos moldes do que determina a Lei 14.434/2022,
acompanhando o voto divergente de Edson Fachin. Em seu voto, Fachin
defendeu que como a discussão envolve negociação sobre piso salarial, cuja
previsão constitucional está expressa e, sem reserva legal, “tem-se a
impossibilidade de que a negociação coletiva sobreponha-se à vontade do
legislador constituinte e ordinário, no particular”.

Com isso, o julgamento estava empatado em 2 votos para esta tese a 2
votos que condicionam o pagamento do piso a alguns critérios (como
propuseram o relator, Luís Roberto Barroso, e Gilmar Mendes) a 2 votos que
propuseram a regionalização do piso da enfermagem para celetistas (Dias
Toffoli e Alexandre de Moraes). Ainda faltavam votar outros 4 ministros.

O Julgamento Virtual encerrou-se em 30 de junho de 2023, decidindo-se
por oito votos a dois, que o piso nacional da enfermagem deve ser pago aos
trabalhadores do setor público pelos estados e municípios na medida dos
repasses federais.

Ainda, por voto médio, o STF definiu que prevalece a exigência de
negociação sindical coletiva como requisito procedimental obrigatório, mas que,
se não houver acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei. Além disso, a
aplicação da lei só ocorrerá depois de passados 60 dias a contar da publicação
da ata do julgamento [publicada em 12/07/2023 no Diário de Justiça Eletrônico
(DJE)], mesmo que as negociações se encerrem antes desse prazo.

Outrossim, ficou definido, por oito votos a dois, que o pagamento do piso
salarial é proporcional à carga horária de oito horas diárias e 44 horas semanais
de trabalho, de modo que se a jornada for inferior o piso será reduzido.

Nesse contexto, alguns aspectos jurídicos que norteiam a mensuração dos
impactos e operacionalização da implementação da nova Lei do Piso, em
especial nos processos de pagamentos nos diversos vínculos e jornadas de
trabalho, têm trazido uma série de dúvidas aos gestores municipais e servidores
que atuam na área.

1) Da aplicabilidade de proporcionalidade entre diferentes
cargas horárias das categorias profissionais;

No que diz respeito à carga horária, a redação da Lei Federal nº 14.434/22
é clara quando estabelece a aplicação do piso independe da jornada de trabalho
do profissional, sendo, portanto, aplicável a todas as jornadas de trabalho dos
profissionais de enfermagem e parteiras (art. 2º, § 1º).

O artigo 2º, §1º da Lei do Piso assegurou ainda a manutenção das
remunerações e dos salários vigentes superiores ao piso salarial independente
da jornada de trabalho para o qual o profissional ou trabalhador foi admitido ou
contratado.

Ainda nesse sentido, o recente Voto Complementar Conjunto dos
ministros Barroso e Gilmar Mendes da ADI 7222, referendou este
entendimento, à luz da interpretação da Constituição e da jurisprudência
consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que preconiza a
proporcionalidade de pagamento em caso de redução de carga horária.

Desse modo, o piso salarial será sempre relativo a 8 (oito) horas diárias ou
44 (quarenta e quatro) horas semanais proporcionais, esclarecendo que o piso
corresponde ao valor mínimo a ser pago em função da jornada completo
estabelecida no art. 7º, XIII, da Constituição, assim, a remuneração pode ser
reduzida de maneira proporcional à jornada de trabalho.

Por fim, o entendimento foi consolidado por meio de Voto Médio
da ADI 7222, no qual esclareceu que uma vez disponizados os recursos
financeiros suficientes, o pagamento do piso salarial deve ser proporcional nos
casos de carga horária inferior a 8(oito) horas por dia ou 44 (quarenta quatro)
horas semanais

2) Dos reflexos da aplicação da Lei do Piso (vencimento base,
reflexos previdenciários, adicionais e prêmios, servidores
em comissão, etc);

Quanto aos reflexos da aplicação da Lei do Piso inicialmente é necessário
identificar as especificidades de cada regime jurídico de contratação utilizados
pelos entes federativos, seja ele estatutário ou celetista

No caso específico dos profissionais da enfermagem servidores públicos, os
reflexos da aplicação do piso deverão observar as disposições da legislação
instituidora do regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da
administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas de cada
ente federativo, nos termos do art. 39 da CF.

Quanto aos profissionais de enfermagem lotados em cargo em comissão
faz-se necessário avaliar a natureza do cargo em questão para identificar, por
exemplo, se o cargo é ou não privativo de profissional de enfermagem, como é o
caso de uma Diretora de Enfermagem de um Hospital. Se a remuneração
prevista para o cargo já atingir o valor do piso, não será necessário realizar
ajustes e complementações para cumprimento da legislação.

No caso de profissionais de enfermagem sujeitos ao regime celetista (setor
privado e empregados públicos), os adicionais previstos na CLT, como o
adicional noturno, o adicional por insalubridade ou periculosidade e o adicional
por horas extras terão também como base os novos valores instituídos pelo piso,
pois representam um percentual do próprio salário do empregado.

Em suma, tudo que, de alguma forma, leva como base a
remuneração/salário do servidor/trabalhador, sofrerá impacto com a instituição
do piso, nos limites das especificidades de cada regime jurídico de contratação.

3) Do enquadramento orçamentário dos recursos do Bloco de
Manutenção das Ações e Serviços Públicos de Saúde -
Grupo de Assistência Financeira Complementar para
Implementação do Piso Salarial da Enfermagem.

Os recursos previstos pela Lei Federal nº 14.581/2023, para atendimento
do Programa de Assistência Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da
Enfermagem - Nacional possuem natureza de crédito especial.

Do Voto Conjunto da ADI 7222 é possível destacar a preocupação dos
ministros acerca do caráter parcial e temporário dos recursos previstos pela EC
nº 127/2022 e da Lei nº 14.581/2023, para custeio da implementação do piso
salarial nacional aos entes federativos, tendo ressaltado:

“inexiste indicação de uma fonte segura capaz de
custear os encargos financeiros impostos aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para
além do corrente ano de2023. Para o presente
exercício financeiro, como mencionado, foi aberto
crédito especial; para o próximo exercício e os
seguintes, a legislação recentemente aprovada
prevê o custeio com eventuais resultados positivos
de fundos da União. Tal indefinição, contudo, não
apenas é incompatível com a Constituição
orçamentária, mas também parece chocar com o
caráter perene de uma despesa corrente de caráter
continuado.”

A competência para criação de códigos de natureza da receita
orçamentária para atendimento das peculiaridades de Estados, Distrito Federal
e Municípios é da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), conforme art. 57,
inciso VII, do Anexo I do Decreto nº 9.745, de 08 de abril de 2019. Assim, a
Subsecretaria de Contabilidade Pública do Tesouro Nacional mantém a gestão
do denominado Ementário da classificação por natureza da receita
orçamentária, o qual é atualizado anualmente, por meio de Portaria, para
aplicação no exercício seguinte.

Desse modo, para atender ao disposto no artigo 51 da Lei de
Responsabilidade Fiscal, a uniformização das receitas orçamentárias do Entes
da Federação, foi emitida a Portaria Conjunta STN/SOF nº 650, de 24 de
setembro de 2019, que regulamenta a criação do Código de Natureza de Receita
Orçamentária.

Assim, cabe à Secretaria do Tesouro Nacional criar segundo as diretrizes
da Portaria Conjunta o Código Identificador da Receita Especial que subsidiará
a implementação do piso salarial da enfermagem, conforme parâmetros
estabelecidos na citada Portaria Conjunta.

No que compete à jurisdição da Unidade Federativa de São Paulo, cabe
destacar que o Tribunal de Contas do Estado, através do Comunicado AUDESP
nº 25 de 19 de maio de 2023 (1) determinou a utilização do Código de Aplicação nº
370 na fonte de recurso 05 (Federal) dado o que determinou Emenda
Constitucional nº 127/2023 no que se refere no que se refere às despesas
relacionadas ao cumprimento dos pisos salariais profissionais nacionais para o
enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira. O
comunicado destaca ainda que o referido código de aplicação NÃO deve ser
utilizado para despesas com fonte de recursos próprios da mesma finalidade.

Atualmente, a regulamentação para transferências dos recursos para a
assistência financeira complementar da União destinada ao cumprimento dos
pisos salariais nacionais de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e
parteiras no exercício de 2023 foi dada pela Portaria GM/MS Nº 597/2023.

Esta portaria indicou o montante disponibilizado [fracionado e distribuído
para cada Município conforme disposto em seu Anexo III], bem como a
responsabilidade Programa de Trabalho 10.302.5018.00UW (Assistência
Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da Enfermagem) do
orçamento do Ministério da Saúde.

4) Das restrições de utilização dos recursos oriundos do Bloco
de Manutenção das Ações e Serviços Públicos de Saúde -
Grupo de Assistência Financeira Complementar para
Implementação do Piso Salarial da Enfermagem

Como já dito anteriormente, a EC nº 127/2022 foi instituída para
regulamentar a obrigação da União em prestar assistência financeira
complementar para cumprimento dos pisos salariais nos termos do seu artigo
198, §§ 14º e 15º:

§ 14. Compete à União, nos termos da lei, prestar
assistência financeira complementar aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios e às entidades
filantrópicas, bem como aos prestadores de serviços
contratualizados que atendam, no mínimo, 60% (sessenta
por cento) de seus pacientes pelo sistema único de saúde,
para o cumprimento dos pisos salariais de que trata o § 12
deste artigo.

§ 15. Os recursos federais destinados aos pagamentos da
assistência financeira complementar aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios e às entidades
filantrópicas, bem como aos prestadores de serviços
contratualizados que atendam, no mínimo, 60% (sessenta
por cento) de seus pacientes pelo sistema único de saúde,
para o cumprimento dos pisos salariais de que trata o § 12
deste artigo serão consignados no orçamento geral da
União com dotação própria e exclusiva." (NR)

Desta maneira, percebe-se que a citada EC alcançou o Setor Público e o
Setor Privado que participa de forma complementar ao SUS (entidades
filantrópicas e entidades privadas que prestam mais de 60% dos seus
atendimentos ao SUS).

Além disso, a Portaria GM/MS Nº 597/2023 também reforçou a
responsabilidade de prestação de contas dos recursos destinados ao
cumprimento do piso da enfermagem:

Art. 5º Fica estabelecido o prazo de 30 (trinta) dias, após
o FNS creditar nas contas bancárias dos Fundos de Saúde
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, para que
os respectivos entes efetuem o pagamento dos recursos
financeiros aos estabelecimentos de saúde, de acordo com
a relação divulgada no Portal do Fundo Nacional de Saúde
https://portalfns.saude.gov.br/ observada a
possibilidade de adequação de que trata o § 1º do art. 4º.

Parágrafo único. As entidades beneficiadas deverão
prestar contas da aplicação dos recursos aos respectivos
gestores dos estados, municípios ou Distrito Federal.

Da análise da Lei Federal nº 14.581/2023 depreende-se uma vinculação
direta dos recursos ali previstos ao atendimento do Programa de Assistência
Financeira Complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
para o Pagamento do Piso Salarial dos Profissionais da Enfermagem - Nacional,
regulamentado pela Portaria GM/MS Nº 597/2023 que determinou os critérios
e parâmetros relacionados ao cumprimento dos pisos salariais nacionais de
enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras no exercício de
2023.

Sendo assim, caracterizado como recurso vinculado de fonte federal,
transferido na modalidade fundo a fundo, pelo Fundo Nacional de Saúde aos
fundos públicos de municípios e estados, originado do Programa de Trabalho
10.302.5018.00UW (Assistência Financeira Complementar aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios para o Pagamento do Piso Salarial dos
Profissionais da Enfermagem), o regramento de aplicação disposto pela Portaria
GM/MS Nº 3.992/2017 (alterada pela Portaria GM/MS Nº 828/2020)
determina que este recurso seja destinado à despesas com ações e serviços
públicos de saúde:

a) relacionadas ao próprio bloco que o originou,
devendo ser observada a vinculação, ao final do
exercício financeiro, à finalidade definida em cada
Programa de Trabalho do Orçamento Geral da
União que originou o repasse;

b) previstas no Plano de Saúde e na Programação
Anual de Saúde do referido submetidos ao
Conselho de Saúde do respectivo ente;
c) e, em cumprimento ao objeto e compromissos
estabelecidos em ato normativo específico pela
direção do SUS (neste caso, a Portaria GM/MS Nº
597/23 que define a destinação, distribuição e
aplicação dos recursos).

Assim, os recursos federais da Assistência Financeira Complementar
devem ser aplicados em despesas relacionadas à manutenção e funcionamento
dos serviços públicos de saúde já existentes em cumprimento ao objetivo de
implementar o piso salarial para os profissionais de enfermagem tal como
definido em lei. Ou seja, em despesas que não concorram na majoração dos
serviços existentes e que não contribuam diretamente para a formação ou
aquisição de um bem de capital.

As determinações da Lei Federal e Emenda Constitucional que deram
lastro à criação dos referidos créditos especiais, em especial, ao que se destina a
Portaria GM/MS Nº 597/2023, evidenciam que a finalidade de aplicação destes
recursos deve contemplar os impactos da implementação do referido piso
salarial a todos os profissionais da categoria, do setor público ou privado,
atuantes em qualquer estabelecimento de saúde das diferentes políticas do SUS
em todos os seus níveis de complexidade.

Desta forma, apesar de originar-se em uma dotação orçamentária
registrada na Subfunção Contábil (2) 302 - Assistência Hospitalar e Ambulatorial,
não parece plausível que a aplicação dos recursos da Assistência Financeira
Complementar se restrinja apenas a esta área do SUS.

Isto porque, a força de trabalho da enfermagem faz-se presente em
praticamente todos os serviços de saúde do sistema. Sendo assim, apesar do
registro orçamentário, especialmente no que se refere à agregação da subfunção,
para que se cumpra o que determinou o conjunto normativo federal, não se deve
restringir a aplicação do respectivo recurso a qualquer camada organizativa do
sistema.

Na realidade, a obrigação da União custear o impacto da implementação
do piso da enfermagem por força de lei impõe ao Ministério da Saúde o dever,
em regulação infralegal, de observar o critério-guia de apoio financeiro ao
custeio do piso da enfermagem sem se deter na divisão interna feita pelo
Ministério da Saúde de custeio de serviços em níveis de atenção assistencial.
Portanto, em cumprimento ao arcabouço legislativo federal, o recurso deve
ser destinado ao custeio do impacto de implementação do referido Piso
Nacional independente da área de atuação do profissional no SUS.

5) Dos parâmetros de cálculo para os recursos
de complementação dos prestadores (60% SUS) e Da
responsabilidade da União sobre o custeio da totalidade
dos recursos necessários à instituição do Piso.

A Lei Federal e a Portaria GM/MS Nº 597/2023 ainda não detalharam
parâmetros de cálculo para complementação dos valores necessários ao
cumprimento do piso salarial dos profissionais da enfermagem.

No entanto, a decisão recente do STF proferida no VOTO CONJUNTO,
explicita alguns critérios que podem orientar os entes federativos, confirmados
no encerramento do Plenário Virtual [em 30/06/23] por 8 votos a 2:

(ii) em relação aos servidores públicos dos
Estados, Distrito Federal, Municípios e de
suas autarquias e fundações
(art. 15-C da Lei
nº 7.498/1986), bem como aos profissionais
contratados por entidades privadas que
atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes
pelo SUS
(art. 15-A da Lei nº 7.498/1986):

a) a implementação da diferença
remuneratória resultante do piso salarial
nacional deve ocorrer na extensão do
quanto disponibilizado, a título de
“assistência financeira complementar”, pelo
orçamento da União
(art. 198, §§ 14 e 15, da CF,
com redação dada pela EC nº 127/2022);

b) eventual insuficiência da “assistência financeira
complementar” mencionada no item (ii.a) instaura o
dever da União de providenciar crédito suplementar,
cuja fonte de abertura serão recursos provenientes do
cancelamento, total ou parcial, de dotações tais como
aquelas destinadas ao pagamento de emendas
parlamentares individuais ao projeto de lei
orçamentária destinadas a ações e serviços públicos
de saúde (art. 166,
§ 9º, da CF) ou direcionadas às demais emendas
parlamentares (inclusive de Relator-Geral do
Orçamento). Não sendo tomada tal providência, não
será exigível o pagamento por parte dos entes
referidos no item (ii);

c) uma vez disponibilizados os recursos financeiros
suficientes, o pagamento do piso salarial deve ser
proporcional nos casos de carga horária inferior a 8
(oito) horas por dia ou 44 (quarenta e quatro) horas
semanais;

(iii) em relação aos profissionais celetistas em
geral (art. 15-A da Lei nº 7.498/1986), a
implementação do piso salarial nacional deverá ser
precedida de negociação coletiva entre as partes,
como exigência procedimental imprescindível,
levando em conta a preocupação com demissões em
massa ou prejuízos para os serviços de saúde. Não
havendo acordo, incidirá a Lei nº 14.434/2022,
desde que decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias,
contados da data de publicação da ata deste
julgamento desta decisão.

  1. Quanto aos efeitos da presente decisão, em
    relação aos profissionais referidos nos itens (i) e (ii),
    eles se produzem na forma da Portaria GM/MS nº
    597, de 12 de maio de 2023. [grifos nossos]

A partir do encerramento do Julgamento Virtual, fixa-se o entendimento
que o cumprimento pelo setor público estará condicionado ao recebimento da
complementação de recursos federais a serem operacionalizados nos termos da
Portaria do Ministério da Saúde.

Especificamente sobre a complementação para prestadores de serviços
contratualizados que atendam, no mínimo, 60% (sessenta por cento) de seus
pacientes pelo Sistema Único de Saúde - SUS a Portaria GM/MS Nº 597/2023
limitou-se a atualizar o repasse observando os valores de referência a serem
disponibilizados no Portal do FNS (https://portalfns.saude.gov.br/) e a
contratualização vigente, bem como o rol de prestadores de serviços de saúde,
de maneira a adequá-lo à contratualização vigente, por meio de aditivos aos
contratos, convênios ou instrumentos congêneres vigentes ou celebração de
novos contratos com os estabelecimentos de saúde.

Assim, como o texto da portaria não especifica qualquer critério de divisão
do recurso ou priorização, considerando-se um cenário de envio de recursos
parciais à complementação das despesas para implementação do Piso,
recomenda-se aos gestores municipais de saúde, até que sejam expedidas novas
orientações do Ministério da Saúde, observem as normas e princípios
orientadoras da atuação do gestor público, bem como as especificidades do
próprio SUS.

Os gestores municipais devem planejar a distribuição dos recursos federais
da Assistência Financeira Complementar de acordo com a rede de serviços de
saúde do seu território, por meio da definição de critérios técnicos e objetivos,
em respeito aos princípios da administração pública e do SUS, para assim
garantir segurança jurídica em eventual questionamento por parte de
profissionais/prestadores que por algum motivo não puderem ser contemplados
num primeiro momento com a complementação de recursos do piso.

Espera-se que a utilização de critérios adequados à dinâmica do SUS
respaldará os gestores num cenário de insuficiência de recursos de
complementação, cuja responsabilidade é da União, frente a instituição de um
piso nacional sem observação das especificidades regionais, em total desrespeito
à autonomia federativa prevista no art. 18 da CF.

Conclusão
Ante o encerramento do Julgamento Virtual em 30 de junho de 2023 da
medida cautelar da (ADI) 7222 no STF conclui-se que o piso nacional da
enfermagem deve ser pago aos trabalhadores do setor público pelos estados e
municípios na medida dos repasses federais, tendo prevalecido a exigência de
negociação sindical coletiva como requisito procedimental obrigatório, mas
ausente o acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei, no prazo de 60
(sessenta) dias, contados da data de publicação da ata de julgamento, qual seja,
12 de julho de 2023.

Logo, diante do cenário atual tem-se que:

1) Lei Federal nº 14.434/2022 instituiu o piso salarial para profissionais
de enfermagem e parteira;

2) A EC nº 127/2022 estabelece a competência da União prestar
assistência financeira complementar para promover a aplicação do
piso;

3) A Lei Federal nº 14.581/2023 abriu o orçamento da Seguridade
Social com objetivo de promover a assistência financeira
complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para
o pagamento do piso salarial;

4) A Portaria GM/MS Nº 597/2023 do Ministério da Saúde estabeleceu
critérios e parâmetros para orientar a transferência de recursos para
assistência financeira complementar dos entes da Federação para o
pagamento do piso aos profissionais da enfermagem;

5) O art. 5º da Portaria GM/MS Nº 597/2023 determina às entidades
beneficiadas o dever de prestar contas da aplicação dos recursos aos
respectivos gestores dos estados, municípios ou Distrito Federal. A
prestação de contas relativa à aplicação dos recursos recebidos pelas
entidades deverá compor o Relatório Anual de Gestão - RAG do
respectivo ente federativo beneficiado;

6) Os Estados e Municípios devem seguir as orientações referentes à
utilização dos recursos expedidas pela legislação vigente;

7) Com a proclamação do resultado final do julgamento do piso da
enfermagem, tem-se a obrigatoriedade da implementação do piso
salarial para profissionais de enfermagem e parteira deve ser pago
nos termos da Lei Federal nº 14.434/2022, de acordo com os
repasses federais. No entanto, ainda será necessário;
regulamentação sobre sua operacionalização a ser expedida pelos
órgãos competentes, tal como do efetivo crédito dos recursos federais
da Assistência Financeira Complementar aos respectivos Fundos
Públicos de Saúde de Estados e Municípios;

8) Os recursos da Assistência Financeira Complementar devem ser
aplicados por municípios e estados para o objetivo de implementar o
Piso Nacional Salarial da Enfermagem, em despesas de natureza
relacionada à manutenção e funcionamento dos serviços públicos de
saúde, sem discriminação de tipo de estabelecimento, nível de
complexidade, área e/ou política do SUS sendo observados os
requisitos publicizados pelos atos normativos do Ministério da
Saúde, especialmente da Portaria GM/MS Nº 597/23;

9) Na Unidade Federativa de São Paulo, o Tribunal de Contas Estadual
determinou a utilização do código de aplicação nº 307, na fonte
federal (05), para acolhimento dos recursos federais da Assistência
Financeira Complementar, quando da sua efetiva transferência;

10) Na falta de regulamentação ou omissão da legislação, no que se refere
à alocação orçamentária dos recursos federais da Assistência
Financeira Complementar na complementação das relacionadas
despesas diretas e/ou contratualizadas, os Municípios devem
planejar a distribuição dos respectivos recursos federais, de acordo
com o que dispõe a Portaria GM/MS Nº 597/23, priorizando a
definição de critérios técnicos e objetivos, respeitando os princípios
da administração pública e do SUS, de acordo com a rede de serviços
de saúde do seu território;

11) O Fundo Nacional de Saúde - FNS desenvolveu um aplicativo para
promover a atualização dos dados profissionais de enfermagem que
prestam serviços, tanto da rede própria quanto conveniada. A
ferramenta foi disponibilizada aos gestores estaduais e municipais
com previsão de atualização até o dia 04/08/2023. O objetivo do
aplicativo é parte de um amplo processo de levantamento de dados
dos profissionais da enfermagem junto aos estados e municípios, o
que permitirá melhor apuração dos valores a serem repassados a
cada ente da federação;

12) Em 14 de Julho de 2023, o Ministério da Saúde emitiu uma Nota em
seu site oficial informando o compromisso de implementar com
celeridade o piso nacional da enfermagem de forma retroativa a maio
de 2023 previsto para ser pago em nove parcelas neste ano. De
acordo com essa Nota, o órgão está em processo de implementação
do piso, orientado pela Advocacia Geral da União (AGU), o cálculo do
piso será aplicado considerando o vencimento básico e as
gratificações de caráter geral fixas, não incluídas as de cunho pessoal.
A metodologia de repasse aos entes e o monitoramento da
implementação do piso em nível nacional tomará como base um
grupo de trabalho com a participação de diferentes pastas (Ministério
da Saúde, Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos,
Ministério do Planejamento e Orçamento, Advocacia-Geral da União
e Controladoria-Geral da União), sob supervisão dos ministérios que
integram a estrutura da Presidência da República e coordenados pela
Casa Civil. Por fim, reafirmou a importância dos trabalhadores do
SUS para o Governo Federal, tendo reiterado compromisso em
garantir a implementação do piso para profissionais da enfermagem
federais, estaduais e municipais, ou que atuem em estabelecimentos
que atendem pelo menos 60% dos seus pacientes pelo SUS.


(1) Comunicação disponível em: [https://www.tce.sp.gov.br/legislacao/comunicado/ec-1272022-recursos-
transferidos-para-cumprimento-pisos- salariais](https://www.tce.sp.gov.br/legislacao/comunicado/ec-1272022-recursos- transferidos-para-cumprimento-pisos- salariais).

(2) Nível de agregação do registro contábil do Plano de Contas Nacional que evidencia a natureza da
atuação governamental.


Joana Rocha e Rocha
OAB/BA 32.731


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